O microbioma humano impacta significativamente na fisiopatologia. Estudos recentes indicam que diversas comunidades microbianas desempenham papéis cruciais na manutenção da homeostase do hospedeiro e podem até contribuir para o desenvolvimento do câncer. Evidências atuais sugerem que indivíduos saudáveis possuem uma presença microbiana substancial no microbioma geniturinário, que pode ser influenciada por vários fatores como idade, sexo, hormônios, estilo de vida e estados saudáveis e doentes.
Os cânceres geniturinários, incluindo próstata, bexiga, colo do útero e vaginal, estão entre as doenças mais mortais no mundo. Apesar do progresso significativo na prevenção e no tratamento nos últimos anos, a etiologia exata e os mecanismos subjacentes desses cânceres permanecem mal compreendidos. Dados emergentes sugerem que várias espécies microbianas e alterações na microbiota geniturinária podem ter potencial hematogênico.
Pesquisadores da Turquia realizaram uma revisão de literatura para entender o potencial do microbioma geniturinário. O objetivo era avaliar se o trato geniturinário poderia ser usado, no futuro, como ferramenta de diagnóstico, indicadores prognósticos e alvos terapêuticos para cânceres urogenitais.
De acordo com os autores, um crescente corpo de pesquisas ressalta o papel potencial dos microrganismos, com certas espécies de vírus, bactérias, fungos e parasitas agora classificados como carcinógenos humanos. “Dentre eles está o papilomavírus humano, que tem sido associado a vários tipos de câncer, incluindo cervical, vaginal e vulvar”, pontuam.
Relação direta
Em indivíduos saudáveis, a predominância de algumas espécies microbianas é considerada protetora na microbiota vaginal e urinária, por exemplo, Lactobacillus. Esses microrganismos contribuem para a manutenção de um pH baixo, prevenindo a colonização de patógenos e regulando as respostas imunológicas. “No entanto, desequilíbrios microbianos relacionados ao câncer frequentemente apresentam níveis reduzidos de Lactobacillus e aumento da diversidade microbiana, levando à inflamação, genotoxicidade e distúrbios metabólicos”, detalham os autores.
No câncer de bexiga, por exemplo, estudos relacionaram a disbiose microbiana à inflamação crônica e à carcinogênese, particularmente em regiões endêmicas a infecções do verme parasita Schistosoma haematobium. Da mesma forma, o câncer renal tem sido associado a perfis microbianos distintos nos sistemas urinário e gastrointestinal, refletindo o impacto sistêmico mais amplo das alterações na microbiota.
A microbiota intestinal também surge como um fator crucial, influenciando os cânceres geniturinários por meio de efeitos sistêmicos na regulação hormonal, modulação imunológica e produção de metabólitos como os ácidos graxos de cadeia curta. De acordo com os autores, essas interações ressaltam a interconexão dos ecossistemas microbianos do corpo, onde alterações em um local, como o intestino, podem se propagar e afetar órgãos distantes como bexiga, rins e trato reprodutivo.
Oncobioma
De particular importância é o conceito de oncobioma, que enfatiza o papel do material genético microbiano na promoção ou supressão do câncer. Análises avançadas do microbioma identificaram assinaturas microbianas específicas que se correlacionam com diferentes tipos de câncer, fornecendo uma base para novas abordagens diagnósticas e terapêuticas.
Por exemplo, certos táxons microbianos como A. muciniphila e Bacteroides spp., foram associados a melhores respostas ao tratamento do câncer renal, destacando o potencial da microbiota como preditor de resultados terapêuticos. Este crescente conjunto de evidências ressalta a necessidade urgente de pesquisas multidisciplinares que integrem microbiologia, oncologia, genômica e imunologia.
“Estudos futuros devem ter como objetivo desvendar as vias causais entre a disbiose da microbiota e o câncer, explorar o papel dos metabólitos microbianos e das interações imunológicas, e desenvolver terapias baseadas na microbiota”, reforçam os pesquisadores. Inovações como probióticos, transplantes de microbiota fecal e desenvolvimento de medicamentos baseados no microbioma podem transformar o panorama da prevenção e do tratamento do câncer.
Em última análise, uma compreensão mais aprofundada do microbioma geniturinário promete mudar o tratamento do câncer de reativo para preventivo. Assim, será possível capacitar os médicos com ferramentas para diagnosticar cânceres mais precocemente, personalizar tratamentos de forma mais eficaz e melhorar a qualidade de vida de milhões de pacientes em todo o mundo.
“A microbiota, antes um aspecto negligenciado da biologia humana, está prestes a se tornar um pilar da oncologia personalizada”, concluem os autores. O artigo ‘The urogenital system microbiota: is it a new gamechanger in urogenital cancers?’ foi publicado em janeiro de 2025 no periódico Microorganisms.