Em geral, a radioterapia altera significativamente a microbiota intestinal, tendo como achado mais frequente a perda de diversidade e riqueza desse microambiente. Entretanto, a irradiação sistêmica administrada por radiofármacos é intrinsecamente diferente. Para abordar esse conhecimento, um estudo prospectivo investigou possíveis alterações na microbiota intestinal de pacientes tratados com iodeto de sódio iodo-131 (NaI-131). Esse isótopo radioativo de iodo (radioiodo) é usado em várias aplicações médicas, a exemplo de terapias específicas contra o câncer.
Para investigar o impacto na comunidade microbiana intestinal, o estudo conduzido por pesquisadores portugueses teve como objetivo comparar amostras fecais de pacientes, antes e depois da realização da Terapia com Iodo Radioativo (RAIT). De acordo com os autores, o estudo prospectivo envolveu 64 pacientes encaminhados para RAIT, entre fevereiro de 2019 e abril de 2021.
Destes, 37 tinham diagnóstico de câncer de tireoide (após tireoidectomia total) e 27 tinham hipertireoidismo. Antes do tratamento, os pacientes com câncer foram submetidos a quatro semanas de abstinência de levotiroxina para estimular os níveis séricos do hormônio estimulador da tireoide (TSH). “Ao mesmo tempo, aqueles com hipertireoidismo ficaram sem os medicamentos antitireoidianos por cinco ou mais dias”, descrevem.
Achados
Diferentemente de dados anteriores sobre o efeito da radiação ionizante na microbiota, a riqueza e a diversidade da microbiota fecal não foram significativamente impactadas após o tratamento com radioiodo. Entretanto, ao comparar mudanças na abundância de bactérias dentro das amostras, foram identificados alguns táxons significativamente diferentes.
Os filos mais representados nas amostras pré e pós-RAIT foram Firmicutes e Bacteroidetes, seguidos por Proteobacteria, Actinobacteria e Verrucomicrobia. No entanto, suas abundâncias relativas diferiram entre as amostras pré e pós-RAIT. “A diferença mais relevante foi o aumento significativo em Bacteroidetes, causando uma diminuição na proporção Firmicutes”, comentam os autores.
Nas classificações taxonômicas mais baixas foi identificada diminuição significativa em Lactobacillus, pertencentes ao filo Firmicutes. Além disso, por meio da análise LEfSe, os bacteroides e Phocaeicola vulgatus (ambos do filo Bacteroidetes) foram enriquecidos após RAIT. Os autores observam que não foram encontradas alterações estatísticas significativas em relação aos filos menos abundantes.
Actinobacteria, por exemplo, apresentou tendência decrescente pós-RAIT, o que pode ser explicado pela redução de Bifidobacterium spp. “Por outro lado, a abundância relativa de Verrucomicrobia apresentou tendência crescente atribuída pelo aumento evidente (mesmo sem significância estatística) de Akkermansia muciniphila”, citam os autores. Já a abundância relativa de Proteobacteria permaneceu estável após a irradiação.
Conclusões
Apesar de o perfil geral da microbiota intestinal não ter sido alterado significativamente após a terapia com radioiodo, os pesquisadores buscaram diferenças entre o efeito da RAIT em pacientes com hipertireoidismo e com câncer de tireoide. “Naqueles com hipertireoidismo, encontramos diferença significativa entre as amostras, enquanto nas pré-RAIT identificamos quatro espécies enriquecidas diferencialmente: Klebsiella pneumoniae, Alistipes inops, Ruminococcus e Slackia isoflavoniconvertens”, detalham.
Ao mesmo tempo, nas amostras pós-RAIT foram identificadas cinco espécies: Bacteroides, Acidaminococcus intestini, Prevotella marseillensis, Sutterella wadsworthensis e Phocaeicola plebeius. “Além disso, foi observado aumento significativo nas abundâncias relativas e absolutas de Bacteroidetes e Proteobacteria”, acentuam os autores. Já nos pacientes com câncer de tireoide não foram identificadas diferenças significativas na diversidade alfa e beta.
Os autores afirmam que o estudo é pioneiro, pois fornece a primeira evidência de que a terapia com radioiodo não afeta significativamente a riqueza e a diversidade da microbiota intestinal humana. O artigo ‘Gut microbiota is not significantly altered by radioiodine therapy’ foi publicado em janeiro de 2025 na revista Nutrients.