A síndrome de Alagille é uma condição genética rara e sem cura que afeta um em cada 30 mil nascidos vivos no mundo. Apesar da semelhança com outras doenças hepáticas que acometem bebês e crianças pequenas, a condição tem potencial para afetar diversos órgãos. Entre os mais atingidos estão fígado, coração, olhos, ossos e rins. As manifestações surgem ainda na infância, podendo ser causa de icterícia neonatal prolongada, bloqueio do fluxo de bile do fígado (colestase), baixo ganho de peso e crescimento, coceira intensa (prurido), entre outros. A magnitude dos sintomas pode impactar diretamente a qualidade de vida. Entretanto, com o tratamento adequado é possível ter uma vida próxima do normal na maioria dos casos.
De acordo com a gastroenterologista e hepatologista pediátrica Marise Tofoli, vice-presidente da Sociedade Goiana de Pediatria, a enfermidade é resultado de uma mutação no gene Jagged1 e, menos frequentemente, no Notch2. Ambos estão envolvidos no desenvolvimento embrionário de diferentes tecidos. A médica, que é coordenadora da Comissão de Residência Médica do Hospital Estadual da Criança e do Adolescente de Goiás, explica que o efeito de ter uma mutação em Jagged1 pode variar amplamente. “Alguns indivíduos que herdam a mutação têm síndrome de Alagille grave, envolvendo doença cardíaca e hepática. Outros experimentam manifestações menores, como anormalidade na córnea (embriotoxon posterior) ou características faciais específicas”, descreve.
Manifestações
Alguns sintomas já podem ser percebidos nos primeiros meses de vida. A médica comenta que a icterícia (pele amarelada) neonatal persistente, por exemplo, é o primeiro sinal de alerta para a possibilidade da síndrome. A doença pode estar acompanhada de sintomas como coceira intensa e problemas cardíacos congênitos. “Além disso, face com característica triangular – testa larga e proeminente, olhos profundos e queixo pequeno – e alteração na parte interna dos olhos são sinais desta condição”, acentua. Quando a doença se manifesta no fígado o paciente apresenta, ainda, diminuição dos ductos biliares intra-hepáticos, podendo levar à colestase (diminuição ou interrupção do fluxo biliar).
Além dos sintomas hepáticos, essa condição genética rara pode afetar outros órgãos. Nos rins, a doença pode desencadear malformações ou alterações funcionais, a exemplo da acidose tubular renal. Nos ossos, é possível que o paciente apresente vértebras em formato de borboleta, distância interpedicular encurtada e baixa estatura. “Já no coração podem ocorrer anormalidades cardíacas congênitas”, pontua a especialista. Ademais, em muitos casos os pacientes tendem a apresentar deficiências nutricionais, especialmente de vitaminas lipossolúveis como, por exemplo, as vitaminas A, D, E e K.
Diagnóstico
Os sintomas da síndrome de Alagille costumam ser confundidos com outras condições, o que dificulta o diagnóstico. A investigação envolve análise dos sintomas clínicos e físicos, exames de imagem, laboratoriais e biópsia. Neste caso, podem ser utilizados raios-x de tórax para análise da coluna torácica, ecocardiograma e avaliação oftalmológica. “Além disso, a biópsia hepática pode ser realizada para avaliar se há redução dos ductos biliares”, sugere a especialista. Devido à identificação bem-sucedida de Jagged1 como o gene que causa a síndrome de Alagille, o teste genético para identificação das mutações no gene Jagged1 ou Notch2 é imprescindível para validação do diagnóstico.
Tratamento multidisciplinar
A magnitude dos sintomas pode impactar negativamente a qualidade de vida dos pacientes com a doença. O prurido (coceira) persistente, por exemplo, pode provocar alterações de sono, humor, fadiga e irritabilidade. “Além disso, causa sofrimento físico, levando a prejuízos importantes tanto para o desenvolvimento da criança quanto para a sua saúde mental”, explica a especialista.
Para amenizar esse e outros sintomas, o tratamento é individualizado e depende do quadro clínico e dos órgãos afetados. No geral, inclui medicamentos e terapias que aumentam o fluxo biliar, corrigem deficiências nutricionais, reduzem o desconforto causado pela doença e promovem o crescimento e desenvolvimento dos bebês e crianças. Em casos mais graves pode ser necessário recorrer à cirurgia e, até mesmo, a transplante de órgãos como o fígado e o coração.
O acompanhamento multidisciplinar com hepatologistas, pediatras, cardiologistas, geneticistas, nutricionistas e psicólogos é fundamental para o tratamento com qualidade. De acordo com a médica, a abordagem integrada auxilia no controle dos sintomas, facilita o tratamento das comorbidades, permite o rastreamento adequado de complicações e promove suporte psicológico para pacientes e suas famílias.