A microbiota vaginal desempenha papel fundamental na saúde da mulher. Pesquisas indicam, inclusive, que níveis reduzidos de bactérias essenciais – a exemplo do gênero Lactobacillus –, estão associados a condições como vaginose bacteriana e aumento da suscetibilidade a infecções. O risco atinge especialmente mulheres de ascendência africana e latino-americana, quando comparadas às de origem europeia e asiática. Para ter uma compreensão mais abrangente sobre esse rico ecossistema, um estudo de revisão analisa a pesquisa global sobre a diversidade da composição deste microbioma em contextos socialmente relevantes.
As condições relacionadas ao trato reprodutivo feminino estão entre os problemas de saúde mais urgentes para muitas mulheres, incluindo condições ginecológicas e reprodutivas não transmissíveis e infecções. Muitas dessas condições têm sido associadas à comunidade microbiana vaginal que habita o trato reprodutivo, consistindo em bactérias, arqueas, fungos e vírus. De acordo com os pesquisadores belgas que desenvolveram a revisão, o conhecimento sobre a composição da microbiota vaginal aumentou muito a partir do desenvolvimento da biologia molecular.
Assim, graças às técnicas como PCR em tempo real (qPCR), sequenciamento do amplicon 16S rRNA e metagenômica foi possível categorizar a composição da microbiota bacteriana vaginal em mulheres saudáveis. “Esse microssistema está dividido em cinco tipos de estados comunitários vaginais (CSTs): Lactobacillus crispatus, Lactobacillus gasseri, Lactobacillus iners e um tipo diverso, formado por anaeróbios facultativos ou estritos como Gardnerella, Atopobium, Prevotella e Finegoldia”, descrevem.
Associada a doenças
Independentemente da abordagem usada para categorizar a microbiota vaginal (CSTs, microscopia, entre outras), estudos de coorte epidemiológicos e meta-análises relatam cada vez mais associações entre o ecossistema microbiano vaginal e diversas condições clínicas. “A redução nos lactobacilos, por exemplo, tem sido associada a complicações no aparelho reprodutor feminino em diferentes coortes ao redor do mundo”, destacam os autores. Dentre essas complicações estão parto prematuro, infecções do trato urinário, endometrite, presença de Papilomavírus Humano (HPV) e do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), entre outras infecções sexualmente transmissíveis.
Além disso, a redução em lactobacilos e o crescimento excessivo de bactérias anaeróbicas são geralmente considerados uma condição de microbiota vaginal não ideal: a vaginose bacteriana (VB). “Apesar de essa condição não ser caracterizada como uma doença, precisa ser cuidadosamente avaliada no contexto correto”, comentam os autores. O tratamento padrão para VB, por sua vez, carece de eficácia sustentada, pois a taxa de recorrência pós-terapêutica é de até 60%.
De acordo com os estudos analisados, uma nova estratégia para prevenir e tratar os sintomas de doenças associados à VB poderia originar-se da modulação direta do microbioma vaginal. Por exemplo, através de transferências do microbioma e produtos bioterapêuticos vivos vaginais. “Ainda que análises apresentem bons resultados, a maioria dos estudos epidemiológicos e de coorte realizados até o momento se refere a grupos específicos – no caso, mulheres de ascendência europeia.
Disparidades geográficas
Esforços científicos foram feitos para incluir mulheres em idade reprodutiva de diferentes origens étnicas, incluindo coortes de mulheres com várias ascendências que vivem em países de alta renda. “Nesses estudos, a falta de lactobacilos e o aumento da VB são relatados com maior frequência em mulheres autoidentificadas como negras e latino-americanas, em comparação com as de ascendência asiática ou europeia que vivem nos EUA”, observam os autores. Esses estudos geralmente não incluem história geográfica, país de nascimento, estilo de vida cultural/alimentar e status socioeconômico dos participantes.
Os autores avaliam que esta é uma consideração importante, pois muitas pesquisas se concentraram apenas em populações com riscos aumentados para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). “Portanto, para promover melhores estratégias preventivas, diagnósticas e terapêuticas, novas pesquisas urgentemente necessárias, com grupos geográficos, socioeconômicos e socioculturais diversos”, sinalizam os autores. Além disso, colaborações equitativas e o desenvolvimento de capacidades são essenciais para aumentar a diversidade na pesquisa sobre o microbioma vaginal. O artigo ‘Diversity in women and their vaginal microbiota’ foi publicado em fevereiro de 2025 no periódico Trends in Microbiology.